quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Que Bicho te Mordeu, Professor?

Crítica ao texto publicado na coluna "TENDÊNCIAS/DEBATES" do jornal Folha de São Paulo do dia 07 de janeiro de 2009.
Artigo na íntegra no final deste post.

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Que bicho que te mordeu professor?

Normalmente não leio crônicas descabidas como a sua e as de outros cabotinos que preenchem espaço ocioso nos diários. Mas comecei, senti pena do sr, e fui até o fim.

Espero que tenha notado que o viajante, ao sair de São Paulo em direção a São Carlos, o que vê nas duas margens da estrada é uma seqüência invariável de propriedades agropastoris, ou industrias, entremeadas de bairros onde vivem pessoas que trabalham nesses prósperos setores.

A partir de Limeira a viagem se torna de um verde monótono, devido aos imensos canaviais, as vezes interrompidos por algum lindo pasto de criação de gado, a soja é de outros campos.

Com certeza absoluta esses elementos são os que dão notoriedade e confiabilidade ao nosso país, e são o tema inspirador da cultura regional, que o sr, idiossincraticamente batiza de provinciana (um bocado arcaico né?), há longo tempo não existe essa demarcação.

Recentemente, a partir da vaca louca, o pais passou a ter expressivo destaque no mundo todo como principal produtor do boi verde, dos biocombustiveis, dos grãos de milho e soja. Temas de vital importância para a humanidade, passaram a dominar as conversas sobre o Brasil no exterior, substituindo os estereotipados jogadores de bola e o carnaval, mas francamente nunca ouvi uma palavra sobre o escritor que o sr. cita, nem sobre o antigo e inconveniente histrião, o iconoclasta de Araraquara, que precisa jogar pedra na cruz pra ter uma mençãozinha na sua lengalenga no jornal.

Por falar em cultura e história, seu cabedal mostra ser mixo, pois parte de um obscuro escritor, tão mal agradecido como o sr. - pois segundo suas palavras o cara tratou com sarcasmo o pobre cotidiano político e cultural do interior de São Paulo. Isso para nós é uma honra, não alimentamos clãs de sacanas brutos como os Magalhães, ou o impostor dono de um bigodão de palhaço, o longevo poetastro Sarnei (segundo o irmão, a alcunha quer dizer Sir Ney, aquele da távola redonda), esses devem ser seu paradigma de cultura e política.

Na matéria história, o jornal o apresenta como autor de livro mazelento sobre o nordeste da seca, região gigantesca de riquezas incalculáveis e variadissimas, que parasitada por mesquinhos e insaciáveis políticos mantém injustamente todas as regiões do mágico Brasil em infame e permanente posto num terceiro mundo.

Graças a homens da rica região sul, que há décadas foram revigorados pelo Licor de Cacau Xavier e o milagroso Biotônico, e mal têm tempo de ler os livretos da Embrapa e o manual do trator (por isso aí o sr. não encontra publico, daí fica com raiva e desdenhando), grandes áreas do nordeste estão cambiando, num escandaloso desabrochar de opulentas plantações.

Voltando à história e cultura, esse boi que o sr. vê como massacrado, desde os primórdios na longínqua Mesopotâmia sempre foi venerado como símbolo de masculinidade, potência, abundância.

Durante o desenrolar da história, participou com o homem de rituais e jogos sangrentos, inclusive copulando, daí gerando - não sabemos se mito ou engenharia genética - aquelas figuras imensas da Assíria que se vê nos museus da Europa ou nos livros, torso de homem de grandes barbas sobre corpo de touro. Essa idolatria viaja para a Creta Minóica, terra do feroz minotauro. O homem se desenvolveu rolando na areia se engalfinhando com imensos touros, a tradição hoje é mantida por cavalheiros ibéricos, os aclamados toureiros espanhóis e portugueses. Nos países americanos, Austrália e África, são honrados os homens que lidam com o precioso gado, que nos alimenta desde a infância, calça, veste e enche o bolso de dinheiro. São os massai, gaúchos, boiadeiros e cowboys. Esse é um povo que não acredita em vidas secas, reage.

O atavismo cultural que carregam essas pessoas que o sr. classifica como provincianos é milenar, trazem informações dos cultos e agrários campos de origem, a democrata Roma, a soberba Toscana, Bolonha, da Itália, terra de Dante, sírios e libaneses de Petra e toda a gloria da comerciante Fenícia, embalados pelo clássico Antar e a luminosa participação no desenvolvimento da humanidade.

Os japoneses de passado fascinante e de presente de avanço alucinante, reverenciam seus hai ku, e cerimoniosos rituais cotidianos, e para nosso bem ainda mantém a abençoada aptidão de produzir e comercializar diariamente os alimentos que nos dão a vida.

Tapado professor que tenta divulgar um episódio da história que deve ser esquecido, tira o tapa (quando ver uma carroça repara num par de quadrados de couro cobrindo os lados dos olhos do cavalo), tira isso da sua cara, participa do capítulo de história de sucesso que está se desenrolando, desiste, nenhum político vai te promover pois é malcriado, vai na vendinha, senta com os peões, carca uma pinga, pita um cigarrinho de paia, gospe, pisa na bosta de vaca e reza pra chegar logo a aposentadoria.

Nó cego lazarento!


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TENDÊNCIAS/DEBATES


"Viver de província"
MARCO ANTONIO VILLA



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Apesar do grande progresso econômico e de concentrar parte expressiva do PIB, o interior continua marcado pelo provincianismo
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NO FINAL do Império, em meio às turbulências políticas, Júlio Ribeiro -escritor, gramático e polemista republicano- cunhou a expressão "viver de província", nas suas "Cartas Sertanejas". Era uma definição sarcástica do pobre cotidiano político-cultural do interior de São Paulo. Depois de 120 anos, pouco mudou:
apesar do grande progresso econômico e de concentrar parte expressiva do PIB brasileiro, o interior continua marcado pelo provincianismo.
A inexpressividade política do interior é suprapartidária. Vez ou outra algum grupo tenta ter espaço regional, mas acaba fracassando. O último foi a conhecida "República de Ribeirão Preto", expressão cunhada para designar os aliados do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, em Brasília.
Porém, a denúncia de uso pouco ortodoxo de uma mansão, na capital federal, levou ao naufrágio do grupo, mesmo com a eleição de Palocci para deputado federal. E o interior, para o bem ou para o mal, continuou sem liderança expressiva.
A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) poderia ser um palco para o aparecimento de lideranças interioranas. Contudo, das suas atividades pouco ou nada se sabe. Muitos nem sequer imaginam onde, na capital paulista, se localiza o prédio de um dos Poderes do Estado.
Dos seus 94 deputados, mesmo os que acompanham a política regional sabem, se tanto, o nome de meia dúzia. O noticiário político prioriza o Congresso Nacional. A Alesp é solenemente ignorada: só é notícia quando ocorre denúncia de um suposto escândalo administrativo.
Outra possibilidade seria a ação de alguma administração municipal que se notabilizasse pela inovação. Mas, dos mais de 600 municípios interioranos, quais poderiam ser destacados pela originalidade administrativa?
A política estadual concentra-se na capital e, no máximo, na Grande São Paulo. Os líderes partidários que têm presença nacional também atuam nessa região. O interior é marcado pelo situacionismo, pela política do "sim, senhor". Os prefeitos mudam de partido acompanhando a base política do governador. Não têm opinião formada. E os deputados são cobrados pelos seus eleitores para trazer recursos para suas bases, e o preço é sempre apoiar o governo.
No campo cultural, apesar do grande número de faculdades e universidades instaladas no interior, não houve mudança. O conservadorismo local venceu a potencialidade transformadora da universidade.
Eventualmente professores universitários passaram a participar da política local, mas sempre buscando alguma forma de composição política com os poderosos locais. E, quando necessário, os conservadores utilizaram-se da violência para expulsar os professores indesejáveis, como em São José do Rio Preto, logo após o golpe de 1964, na faculdade local e que hoje é parte da Unesp.
Há uma valorização absoluta do dinheiro e um desprezo pela cultura.
Em muitas cidades há mais joalherias que livrarias. As políticas culturais são fadadas ao fracasso. O poder público -tal qual a maioria dos eleitores- não tem interesse nas atividades culturais: elas não dão voto e, por vezes, dão problemas.
Em Araraquara, depois do espetáculo "Mistérios Gozosos", de Oswald de Andrade, José Celso Martinez Corrêa e grupo foram processados, acusados de "vilipendiar atos e objetos de culto religiosos". O processo foi movido por araraquarenses incomodados "moralmente" com o trabalho de Zé Celso.
Uma "atividade cultural" muito conhecido no interior, espécie de marca regional, é o massacre anual de animais conhecido como Festa do Peão Boiadeiro, em Barretos. Como tudo que é ruim, prolifera rapidamente: os rodeios espalharam-se pelo Estado.
No Vale do Paraíba, criaram até um rodeio para Cristo, que, certamente, deixaria o Nazareno horrorizado.
A maioria dos jornais é subsidiada pelo poder público ou por algum potentado local. O nível das publicações é rasteiro. O espaço da coluna social é várias vezes superior ao destinado a temas políticos.
Quando surge uma imprensa independente, os jornalistas passam imediatamente a ser perseguidos e ameaçados. Basta recordar, entre tantos outros exemplos, dos tristes episódios de Marília, que envolveram um conhecido político local e o ataque criminoso às instalações do "Diário".
Júlio Ribeiro morreu em 1890, aos 45 anos. Viu muito pouco do Brasil com que sonhou: sem escravos e republicano. Mas o interior não mudou: tal qual no final do século 19, continua impressionando pelo dinamismo econômico e pelo provincianismo.


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