terça-feira, 28 de setembro de 2010

Basta de lero lero 2 – A missão

(Para acompanhar o "debate", o artigo original de Deolinda Vilhena (jornalista, produtora, Doutora em Estudos teatrais pela Sorbonne, pós-doutoranda em Teatro na ECA/USP) publicado no terra, em 12/6/2009:

http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/basta-de-lero-lero/ )

(...)

Deixo aqui um recado para o "escultor" Paulo Taddeo, presidente do IDATE , membro do conselho da Academia Latino-americana de Artes, que deixou um comentário azedo no blog do MinC dizendo que esta doce criatura que vos escreve - e quem me conhece sabe que estou mais para agridoce do que qualquer outra coisa - é um "ser nocivo" -http://blogs.cultura.gov.br/blogdarouanet/basta-de-lero-lero/

Sr. Paulo Taddeo, não sei o Sr. conhece a máxima de Montaigne, que transformei em divisa dessa coluna, e que diz assim: "dou a minha opinião não como boa, mas como minha". Essa coluna é uma tribuna livre, possível porque vivemos numa democracia, ainda que a influência de Chávez e companhia espalhe, por vezes, um cheiro de terceiro mandato. Pé de pato, mangalô, três vezes. E, numa democracia opiniões diversas convivem lado a lado. Ter opinião diferente não faz de mim "um ser nocivo". Como pode alguém que já passou dos sessenta, arrotando cultura e berço, não ter aprendido ainda a respeitar quem pensa diferente? Perdeu o bonde da história? Tô doidinha para saber a sua opinião sobre o que escrevi, manda para deolindavilhena@terra.com.br prometo que publico sem problemas...

Taddeo retruca:

Saudações, professora Deolinda

Vou te chamar Deolinda, sem professora, tá bom? Não sei se vamos ser amigos futuramente, mas gostaria de poder manter uma discussão, uma troca de idéias.

Depois de um ano retorno a minha escrivaninha, ao meu computador, à minha batalha contra o colonialismo cultural e a omissão. Durante esse ano estive absorvido num trabalho de escultura, pois esse é o meu ofício, e a primeira ação no teclado está sendo essa carta, deixei pra te responder uns dias depois do Santo Antônio, dia dos namorados, pra não parecer uma paquera, né?

Achei você elegante e sua resposta realmente suave, pois eu fui bem rude no comentário, mas tinha meus motivos, e você foi um dos meus alvos, pois o que escreveu, pra minha nova visão do Brasil, representa as comparações que procuram humilhar, elaborando situações onde possa exibir pretensa superioridade, forçando pessoas vulneráveis a aceitar uma influência incompatível, imposições que descaracterizam, tiram o brilho, que impedem o desenvolver da cultura do Brasil, desviando seu rumo da autenticidade, que seria o natural para nosso jovem povo.

Deolinda, vou tentar fazer uma breve apresentação do escultor Taddeo: já passei dos sessenta, a maior parte bem vivida em São Paulo, não posso arrotar cultura por dois motivos: primeiro, me controlo, não arroto em público, segundo, não sou nada culto, tive a boa sorte de ser filho de pais letrados e ter vivido numa época de homens ilustres, convivi com muitos deles no velho bar do Museu, esclarecido pela luz brilhante do querido Almeida Salles, primeiro na Sete de Abril, depois na São Luiz, escrevo como conversava no bar, minha cultura é de mesa de bar, de desregrada, etílica boemia, não de bitolada academia.

Como todos, de um grupo social educado daquela época, minha ilustração, meus modelos e paradigmas eram europeus, o mundo para meus pais e meus amigos era a França, então aqui deveria ser uma pequena réplica, um reflexo, estudávamos e nos esforçávamos pra imitar.

Estou escrevendo um livro sobre momentos da minha vida, onde procuro fazer uma crítica realista sobre a relação e a influência negativa entre a duvidosa riqueza cultural européia, hoje embolada numa insociável “UE”, sem nenhum glamour, é só mais um time pouco idôneo, na suja disputa do consumismo, (principalmente agora, que os pés frios ibéricos deram o início da sua implosão), e a real magnitude do Brasil recém nascido, potente, atual, fabuloso, indescritível, quase pronto pra ser o ator principal no teatro do mundo futuro.

Defino como “um ser nocivo” um grande grupo aculturado do qual eu também fazia parte e hoje renego, procuro combater, portanto isso não deve ser sentido como uma ofensa pessoal, pois não fomos apresentados pessoalmente ainda, espero ter oportunidade de te conhecer e conferir de perto se você é doce mesmo – garanto que não tenho nada de azedo (isso é sabor de vinagre), eu acho que estou mais pro sabor inflamado de Cognac envelhecido em barril de carvalho.

Voltando aos seres nocivos... Gente esfomeada fugida do velho mundo invadiu o imenso paraíso e deu o nome Brasil, eliminaram os senhores tupi guarani, depois de tentar escravizá-los sem sucesso, daí importaram quatro milhões de pessoas de outro paraíso, a África, humilharam, torturaram ao extremo, e o cenário devastado desse paraíso foi reduzido a uma porcaria malcheirosa, cheio de gente esfarrapada, inferiorizada, mas que produzia bons lucros. Esses, em grande parte, eram gastos em viagens pra fazer compras e aprender coisas da França, daí esse galicismo todo.

O tempo passou, um punhado de broncos remanescentes dos escravagistas, verdadeiros macacos amestrados nos gestos e papagaios na prosa, arbitrariamente instituíram as escolas de arremedar os europeus, impingidas a uma população desorientada, uma mistura descendente de índios em extinção, escravos africanos e europeus famélicos. Um grande número dessas pessoas, sem nenhum senso crítico, vem aceitando o que lhes impõem, sem nunca perceber o espetáculo que é esse país, nem reconhecer a criatividade, originalidade e capacidade de regeneração da maioria de seu povo, que por sorte ainda não esta contaminado pelo veneno acadêmico.

Algum bolor tóxico ainda resiste, mas por pouco tempo, porque o Bill Gates mudou o relacionamento humano, escancarou as portas das comunicações entre os homens, até eu, um cara do passado, estou participando dessa reforma, viajando não de bonde, mas de fibra ótica. Deolinda, você disse que eu perdi o bonde da história, eu não perdi bonde de nada, não tenho saudades nem lembro como era o bonde, também quero esquecer toda a literatice que sempre esfumaçou minha visão, alterou e induziu a minha opinião.

Pra produzir energia que movimenta a história, avançar livre, sem rumo planejado, sem os trilhos do bonde, as opiniões diversas devem conviver sim, em constante atrito ou choque, sem medo de brigar, mas como é Brasil tem de ser com bom humor, com espírito esportivo, né? Porém não esqueça que na democracia a maioria prevalece, e você não parece fazer parte dela, né?

Então nessa revolução cultural, aqui na nossa terra, um cara parecido com o Spartaco da Roma, um homem fruto do meio dos explorados e desprezados, lutador de caráter, livre da submissão abjeta de grande parte de nossos patrícios influentes, assumiu com imponência a posição de líder incontestável de uma desproporcional maioria de pessoas lesadas do mundo todo. Atrevido, sem limites, debochando dos narizes torcidos, realizou significativas reformas na geografia política mundial, conseqüentemente descortinou e botou em marcha um Brasil imenso, até hoje soterrado pelo sentimento de inferioridade servil de seus modestos antecessores aculturados.

Deolinda, sem dúvida os jovens brasileiros estão prontos para identificar sua própria expressão, cultivar e divulgá-la sem timidez, acho que forçar um rumo para a cultura desse povo parece a busca da pureza ariana, ou os híbridos que resultam de certos enxertos sem critério, tipo os da ilha do Dr. Moreau.

Quem aceita a moda e a opinião dos críticos e pensadores , modelos alienígenas e anacrônicos que você segue e indica, é igual a uns pueris miquinhos que surgiram há pouco tempo, (enólogo brasileiro, mama mia!) ao invés de analisar e comentar frutos mais ao alcance, como as variações do suco do caju e da pitanga, da jabuticaba, do abacaxi... O cara da terra do Caipora e do Saci, n’algum lugar dos Jardins, com a brisa trazendo o denso e nauseabundo cheiro de bosta dos rios Tietê e Pinheiros, com cara de entendido, ar concentrado, distante, olhos semicerrados, rodando o copo, fuça, funga e bochechando, pronuncia disparates complicados que se tornam dogmas pros seguidores, disserta sobre terroir, bouquet, anos das safras, cepas e outras minúcias dos longínquos campos do Bacco (nunca se aproximou de um pé de uva).

Para os grupos sociais brasileiros originais, criadores e divulgadores de sua arte telúrica, sua sabedoria passa paralela, distante, nem resvala, mas me recuso a aceitar a imoralidade de gente que leu tudo, vive citando autores humanistas, idealistas e realizadores, que mataram e morreram lutando contra o anti-social, vocês, insensíveis que se deslumbram com a ética e outros ramos da moral e civilização nos livros, mas que no cotidiano não cedem um milímetro, nem reconhecem seu oneroso parasitismo aninhado nas universidades públicas, insistem no seu mister compulsivo de avançar mais, ampliar e dar manutenção ao nojento colonialismo cultural. Acho que isso é transmitido como coisa de vampiro, vocês foram mordidos e sugados pelos seus mestres e continuam a prática de morder e contaminar os seus discípulos. Continuem seu destino onde quiserem, mas tenham um pouco de consciência, prediquem fora da universidade pública, se confiam no seu valor, (eu reconheço que ele existe e merece ser cultivado), então vendam sua sabedoria através de instituições particulares, terão mais público, liberdade de ação e sucesso, sem dúvida.

O Brasil foi surpreendido por um crescimento repentino, motivado pela intuitiva liderança e a arte de divulgador de um cara fabuloso, que segundo ele próprio nunca leu um livro. Para conviver com esse crescimento o país precisa urgente de muitos técnicos, a escola pública tem de dar preferência a esses ramos do conhecimento, senão vão ter de ser importados, como no tempo que éramos poucos, passávamos as noites na Nestor Pestana, do Eduardo ao Don Ciccilo, ouvindo jazz, Piaf, fumando Gauloise, comentando cinema francês, éramos quase franceses, existencialistas, não sei se você viveu isso e se lembra .

Quanto ao dito “mini’stério da cultura”, ou da agricultura? Sem comentários.

Pra iniciar uma briguinha, polêmica ou debate, acho que já esta bom, espero que você continue com sua elegância, personalidade e doce suavidade.

Aguardo sua resposta.

Sucesso!!