Essa saiu no caderno Cotidiano dos jornais de São Paulo no dia 13 de Junho de 2008, junto com as matérias policiais... para quem não leu, aí vai:
Pichadores vandalizam escola para discutir conceito de arte
Colegas classificaram ação como terrorismo; coordenadora do curso de Artes Visuais chamou de "ato de vandalismo"
Aluno da Belas Artes convocou grupo para realizar prova de conclusão de curso
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
Cada um dos 37 alunos do último ano do curso de Artes Visuais do Centro Universitário de Belas Artes tinha de apresentar uma obra para garantir sua formatura. Três espaços foram reservados para a exposição dos trabalhos. Trinta e seis alunos preencheram esses espaços com sua produção. Um -Rafael Augustaitiz, 24-, não.
Pichador desde os 13 anos, Rafael resolveu apresentar um trabalho diferente. "Uma intervenção para discutir os limites da arte e o próprio conceito de arte", explicou.
Nos últimos dias, os locais de reunião de pichadores no centro da cidade tornaram-se focos de recrutamento de jovens para "a ação", como se chamou. Às 21h de anteontem, horário de intervalo das aulas, 40 deles, idades entre 15 e 25 anos, compareceram ao "ponto", na estação Vila Mariana do metrô (zona sul).
"Estamos todos muito ansiosos", disse um morador do Ipiranga, que assina suas pichações com o desenho de um monociclo. A maioria dos rapazes nunca pôs os pés em uma faculdade; sua estréia no ensino superior seria justamente em um trabalho de conclusão de curso.
Em cinco minutos andando a pé, o grupo alcançou a escola. Muitos vestiram máscaras improvisadas com camisetas ou daquelas usadas para pintura com compressor. Logo, as latas de spray foram sacadas de dentro dos moletons folgados.
Os jovens pichavam suas "assinaturas" nas paredes, nas salas de aulas, nas escadas, sobre os painéis de avisos, nos corrimãos. Uma funcionária da secretaria, Débora Del Gaudio, 30, quis impedir. Levou um jato de spray no rosto.
Usando a técnica do "pé nas costas", os pichadores formaram escadas humanas (com até três jovens "empilhados"), uma forma de atingir andares superiores da fachada. Assustaram funcionários da escola enquanto escreviam aquelas letras pontudas e de difícil decifração.
Os 30 seguranças da faculdade mobilizaram-se para acabar com a farra. "Deixa eu terminar a minha frase, pô", pediu um jovem. Tomou um soco. Revidou. Virou uma pancadaria.
"Abra os olhos e verá a inevitável marca na história" e muitos símbolos do anarquismo, além das letras pontudas já cobriam o prédio, quando cinco carros da polícia militar chegaram ao local, apenas dez minutos depois de iniciado o ataque.
Enquadrado pela PM, Rafael gritava ao entrar no camburão: "Olha aí, registra, isso é um artista sendo preso."
A maioria dos alunos não achou nada legal "a ação", "a intervenção", "a obra" de Rafael. "Terrorismo. O que aconteceu aqui é terrorismo. Se isso é arte, então o maior artista do mundo é o Osama Bin Laden e o buraco das torres gêmeas é uma obra-prima", disse Alan George de Sousa, 33, do curso de arquitetura e desenho industrial.
"Eu pago R$ 1.500 de mensalidade no curso de arquitetura porque trabalho e minha mãe também dá um duro danado para me manter aqui. Aí vem um filho da mãe dizer que fez essa porcaria toda porque a gente é tudo burguesinho. Ora, vai estudar, se preparar", gritava uma aluna.
Rafael amanheceu o dia de ontem em companhia de mais seis acusados de pichação no 36º Distrito Policial, no Paraíso. Duas estudantes de publicidade da Escola de Propaganda e Marketing, que fica em frente à Belas Artes, estavam lá também, exigindo: "Essa gente tem de se ferrar." As duas acusavam o grupo de pichadores de riscar o Honda Fit cor de champagne que saiu da concessionária "há menos de uma semana".
Ontem à noite, na parte interna da escola, já nem parecia que o aluno com 40 manos tinha estado lá. Tudo estava limpinho. Às 20h30, a turma dos formandos (menos Rafael) ia se reunir para "processar esse trauma", nas palavras da coordenadora do curso de Artes Visuais, a artista plástica Helena Freddi, para quem o que aconteceu na faculdade foi "um ato de vandalismo que extrapolou os limites da ação civilizada."
No texto que escreveu para justificar "a ação", 28 páginas encimadas pelo título "Marchando ao compasso da realidade", Rafael desafia: "Somos abusados? Que se foda! É um orgulho para vocês eu estar dentro dessa podre faculdade. Não sou seu filhote, não preciso do seu aval. A arte hoje em dia é para quem está na pegada. Para os bunda-moles ela morreu faz é tempo." O curso de Artes Visuais tem mensalidade de R$ 900. Rafael é bolsista integral.
Taddeo comenta:
Rafael, parabéns pelo sucesso e conteúdo de sua obra - a “Ação”, como diz o jornal. Publicando a matéria assinada por Laura Capriglione, com a concordância do editor, esse jornal assume a condição de suporte, parceiro e veículo na ação, dando à obra um caráter permanente, eternizando a fugacidade do momento. Essa foto dinâmica, realista, e o texto, exaltam a Ação de um jovem, que simplesmente pretendia, segundo a explicação, “Uma intervenção para discutir os limites da arte e o próprio conceito de arte”, transformando-a em um Ícone, um Épico, uma obra universal de dimensão única no Brasil.
A boa obra de arte tem de ser assim, sem pretensão. Um ato inspirado sensibiliza o maior número de pessoas, sem o investimento que financia a manipulação retórica, e cria aquele clima de afetada impostura, formal, frio dos vernissage, onde de acordo com as cifras, as opiniões oscilam nos níveis do deslumbre. Eu vivo no meio artístico há cinqüenta anos, e sua ação considero a mais digna de nota que presenciei. Principalmente por se servir desse veiculo indescritível a internet para
atingir seu imenso público. Nenhum precursor seu usou esse recurso dessa sua forma – pelo que me consta, geralmente quando algum cabotino pretende praticar uma intervenção isso é patrocinado, é feito ensaio, o publico e a imprensa são convidados, e o resultado é sem efeito.
Seu trabalho para mim é mais pertinente do que a velha, centenária e arqueológica obra de Duchamps, ou a do mais próximo, Warhol. Você é o representante e a expressão do homem de seu tempo. A estética da arte do pichador é discutível, mas creio que mais desagradável e digna de repulsa seja a maciça e asfixiante arquitetura, onde a pichação é acrobaticamente aplicada, no mundo todo, e infelizmente os que constroem esses tristes objetos não percebem a tão gritante mensagem. Não seria mais sensato do que as tentativas impotentes de reprimir o protesto da juventude descontente, botar abaixo esses monstrengos de concreto, com todo o seu conteúdo negativo, expressão de um autodestrutivo período industrial, sujo e fumacento cemitério da nossa maior riqueza, a exuberante natureza, e recriar a urbe e a orbi?
Hoje, apesar da luta inútil de alguns idealistas, somos mantidos sob pressão colonialista num desconfortável posto no terceiro mundo, uma das mais potentes artimanhas, mais subjugadora e lucrativa do que a extorsão praticada pelos portugueses no tempo do ouro e do Tiradentes. É a parasitária e bem sucedida atividade do colonialismo cultural, que despersonaliza, desorienta, e desmotiva a criação de homens como você, que magistralmente e sem limites soube conduzir seus coadjuvantes, os manos pichadores, a jornalista, o fotógrafo, os irados críticos e os fabulosos rupestres e truculentos seguranças. Tão importantes na cena quanto o autor, foram a “tônica” que deu o forte toque de repressão de intolerância – sem esse paradoxal conjunto, desorganizado e harmônico, essa obra de arte teria passado despercebida. Se houvesse apoio e compreensão da parte dos intelectualmente baixos, alunos e empregados da escola, esses teriam sido causadores de fracasso da frágil e complexa obra, cujo sucesso é medido pela escala da descontrolada bronca dos tapados adversários, você vence no contragolpe.
Alan é a perfeita réplica do ultimo filhote de mamute, nos momentos finais da extinção de sua espécie, o impotente vagido da agonia contra a realidade um tanto cruel mas inexorável, meio taludinho ele, né, 33 anos? é motivado pelos mesmos ideais dos crédulos fiéis que se privavam de outros prazeres para investir os suados 1500 na compra de confiáveis indulgências, garantia conforme o investimento, de um eterno e confortável posto no céu. Esse tipo de criaturas dados a imobilidade são o principal mantenedor do país na classificação de terceiro mundo. Para ascender e transformar é necessário, além da clara inteligência, muito esforço e coragem de assumir riscos, como os malucos navegadores portugueses, ou seus avós Alan, que não agiram como o Sancho Pança, ao emigrarem para o desconhecido Brasil – Jardim do Éden, já irremediavelmente danificado pelos primeiros invasores, homens vestidos de ferro e lã e brandindo o conceito de pecado e punição do Adão e da Eva, em vez de aprender com os índios a andar pelado nesse calor, habitar teluricamente em construções leves, feitas com material ao alcance da mão, coletado junto com os alimentos, gente higiênica e bem nutrida com o mínimo esforço, dispunham da maior parte do tempo para desfrutar de sua verdadeira arte de viver a vida, pintando seus corpos, dançando e tecendo ergonômicas e coloridas redes pra descanso, poucas regras, religião fantástica. Mas o pobre europeu não viu as belezas, malvado, retribuiu a hospitalidade com a tentativa de escravizar. Não notaram a prodigalidade do lugar mas, impulsionados pelo atávico terror das guerras e do frio, trouxeram o sistema de habitação sólido, o armazenamento dos alimentos, e um monte de roupas, tão desnecessários aqui, tudo feito com o embrutecedor e maldito trabalho. Ainda bem que não vingaram as diferenças raciais e as guerras.
Se o fóssil vivo Alan fosse menos mesquinho, eu sugeriria ao Rafael, artista de verdade, autor de trabalho que tem tudo para valer muito dinheiro, que o empregasse em sua contabilidade, como recompensa pela participação, mas pelos comentários obtusos não merece chance.
Aconselho as duas meninas do honda fit dourado, a revisarem suas opiniões. Vocês estudam marketing, então eu as aconselho a procurarem o Rafael, e projetarem um plano de mercado para sua arte, garanto que o sucesso do artista, como a lâmpada do Aladim, abrirá os portais da realização de seus nem imaginados sonhos de consumo, muito, muito maiores que o seu atual automovelzinho popular, alem do invejável status de agentes de um gênio - movam-se rápido, meninas!
Quanto aos empregados da escola, meus pêsames. A sua opinião é o grito de agonia da instituição mortalmente ferida, ardilosamente apunhalada por um mutante engendrado em suas entranhas, como Zeus eliminando Cronos. Rafael abate a arcaica transmissora de alfarrábicos conhecimentos. Eu, pela idade e tipo de trabalho, deveria estar solidário e unido no pranto das suas vitimas, mas a vida me deu a oportunidade de conviver, nos últimos quatro anos, com um grande numero de jovens no interior de SP.
Realizamos um trabalho monumental, quase impossível, ( http://www.itade.org.br/ ), tempo suficiente para me reformar os conceitos, e me dedicar ao incentivo de artistas jovens brasileiros, do interior que, diferentemente de você, nunca terão chance de divulgação da sua arte.
Muito cuidado com esse incrível sucesso na primeira ação, não deixe a vaidade e os elogios te corromperem, nem seja repetitivo – as coisas raras têm mais valor.
Um futuro de sucesso!
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Matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, caderno Cotidiano,
em 18 de julho de 2008
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Escola expulsa aluno que vandalizou prédio para discutir arte
Durante apresentação de trabalho de formatura, estudante e mais 40 pessoas picharam prédio da faculdade Belas Artes
Faculdade diz que está interessada em discutir os limites da liberdade de expressão; abaixo-assinado tenta reverter decisão
LAURA CAPRIGLIONE
DA REPORTAGEM LOCAL
O estudante Rafael Guedes Augustaitiz bem que tentou um diploma superior. Durante quatro anos, ele cursou como bolsista o Centro Universitário Belas Artes, na Vila Mariana.
Vencidos todos os créditos, bastava apresentar um TCC (trabalho de conclusão de curso) para conquistar o título de "bacharel em artes visuais". Mas, ontem, ele recebeu o aviso do reitor Paulo Antonio Gomes Cardim: foi expulso da escola.
Motivo alegado: "Prática de atos de vandalismo, lesivos à propriedade particular e (...) incongruentes com o espírito universitário; agressão ou ofensa a funcionários; ato sujeito a ação penal".
A escola não levou na esportiva o que aconteceu em 11 de junho, quando Augustaitiz apresentou o que considerou seu TCC. Nas palavras dele, tratava-se de "ação performática e de protesto para discutir os limites e o conceito da arte".
Na prática, o que se viu foram 40 jovens armados com sprays, chegando todos juntos a pé, muitos deles mascarados, por volta da 21h, e sacando, de repente, as latas que escondiam sob as roupas. Cobriram a fachada, recepção, escadas e salas de aula com as letras pontudas de difícil decifração que caracterizam a pichação paulista.
Seguranças e pichadores trocaram socos e pontapés por dez minutos, até que chegou a PM e levou sete jovens presos -Augustaitiz, entre eles.
No dia seguinte, a escola já limpara os rastros deixados pelos pichadores. "O impulso e a cegueira fizeram com que apagassem a minha obra. Quem vai me indenizar?", pergunta o estudante, a sério.
"Considero criminosa a ação do aluno. Não considero esta ação como arte. Não considero a possibilidade de aceitar essa manifestação como trabalho de conclusão de curso", tachou Helena Freddi, professora de Augustaitiz, em carta endereçada ao reitor, dias depois.
A faculdade -que outorgou em abril o título de professor honoris causa ao prefeito Gilberto Kassab, pela implementação do Cidade Limpa- montou uma comissão de inquérito para decidir o que fazer. Presidida pelo advogado Carlos Alberto Rufino, dela participaram a chefe da biblioteca, Leila Rabello, e Marco Antonio Frascino, professor de legislação e ética em publicidade. Foi nessa comissão que se formou a convicção pró-desligamento.
Segundo o supervisor acadêmico Alexandre Estolano, a faculdade está, sim, interessada em discutir "limite e transgressão". "Mas não desse jeito. Vamos patrocinar um seminário sobre o tema, em agosto."
"Limite e transgressão, até onde vai a arte e a liberdade de expressão", segundo o texto de divulgação, serão debatidos por "jornalistas, artistas consagrados, colecionadores de arte, galeristas, curadores de museus". E por nenhum pichador.
Ontem, começou a circular um abaixo-assinado em solidariedade ao expulso, pedindo que a escola dê a ele a chance de se defender: ""Pixação" pode ser crime (?), mas também é arte, e a faculdade perdeu a chance de surfar na vanguarda da mais moderna e atual de todas elas. Sempre foi assim. O Moma (Museu de Arte Moderna de Nova York) torceu o nariz para os trabalhos de Andy Warhol e Basquiat foi ridicularizado pelos mesmos acadêmicos que hoje o idolatram. A arte de verdade incomoda e às vezes demora a ser entendida".
Entre os signatários, estão os grafiteiros Otavio e Gustavo Pandolfo, Osgemeos, cujo trabalho está até agosto em exposição na Tate Modern, em Londres. No dia 3 de julho, um mural gigante da dupla, na Bela Vista, foi coberto com tinta cinza por uma empresa a serviço da prefeitura.
Taddeo comenta:
Vândalos foram tribu de heróicos guerreiros germânicos que puseram os romanos do caraio em seu devido lugar.
O sr. “reitor?” do estabelecimento poderia usar o dignificante titulo de neo-vândalos pro rebelado Rafael – ex freqüentador do caça níqueis – e seu jovem exército.
O sr. “reitor?” deve ser importante para o grosso volume de cérebros amorfos atrofiados pelo colonialismo cultural, não sei o nome de tal massa, rebanho, matilha, não esses são para vacas e lobos, vou falar facção (caiu melhor).
O tal sr. além de “reitorar?”, deve fazer parte da comissão de frente, que recepciona a facção em solenes eventos, onde são expostas custosas amostras do mercado de arte – tipo uma centenária chapa de vidro partida. Ou se se dignasse a vir pra cá a obra do magnífico indigente, o homeless Basquiat. Isso é uma micrométrica partícula que pode ilustrar o colonialismo que nos castra, emascula, extirpa nossos colhões. Boçais médios, milhões de papalvos a serviço de poucos espertos – a defunta galinha do vizinho (Basquiat) não é mais gorda que o nosso pichador, não.
Chega, agradeço ao jornal ter-me dado as duas fatias de pão onde pude por o recheio.
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quinta-feira, 19 de junho de 2008
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